terça-feira, 11 de agosto de 2020

CRÍTICA TEATRAL DIÁRIOS MARGINAIS - Lima Barreto e João do Rio em cena

 




CRÍTICA TEATRAL DIÁRIOS MARGINAIS

Lima Barreto e João do Rio em cena

Diários marginais, peça dirigida por Luiz Furlanetto e encenada pelos atores Gilson Gomes e Wagner Brandi, é uma iniciativa das mais ousadas e bem-sucedidas na atual cena teatral. Ao promover um encontro imaginário entre os escritores Lima Barreto (1881-1922) e João do Rio (1881-1921), transpõe-se para o teatro a obra e a trajetória de dois autores que fizeram de sua literatura uma forma de participação efetiva no movimento da história dos nossos primeiros anos de república. E o desafio é enorme, considerando a prolífica produção literária de ambos, que foram também cronistas e críticos implacáveis das mazelas decorrentes do processo de modernização engendrado nas primeiras décadas do século XX.

Lima Barreto e João do Rio reviraram a capital republicana, levando para seus artigos e crônicas publicados em jornais e revistas da época, bem como em seus livros, o avesso do progresso tão alardeado pelas elites políticas daquele tempo. Embora tivessem origem social semelhante, trilharam caminhos distintos. João do Rio obteve reconhecimento entre seus pares ainda em vida, sendo inclusive eleito para a Academia Brasileira de Letras. Já Lima Barreto amargou o desprezo dos críticos e só após a morte sua obra obteve amplo reconhecimento. Foram assim, de certo modo, rivais na busca pelo ingresso no olimpo das letras, mas curiosamente cultivaram admirável sensibilidade em relação às camadas populares e suas lutas pela sobrevivência. Do mesmo modo que Lima Barreto introduziu os subúrbios no horizonte da literatura, João do Rio retratou A alma encantadora das ruas – título de um dos seus livros mais conhecidos. Mas não frequentavam as mesmas rodas intelectuais, não conviveram, não confrontaram suas visões de mundo em encontros presenciais.

Portanto, seria tentador imaginar um encontro entre os dois escritores. Sobre o que conversariam? Que rumo tomaria essa prosa? Seriam capazes de perceber as suas afinidades, à despeito das diferenças entre ambos? Só mesmo o teatro poderia promover esse encontro de forma tão magistral como acontece em Diários marginais. Gilson Gomes e Wagner Brandi colocam Lima Barreto e João do Rio frente a frente, olho no olho, passando à limpo as dores e as delícias de exercer o ofício da literatura no Brasil recém-saído da escravidão e em pleno processo de estruturação do regime republicano em que vivemos até hoje, com seus hipócritas valores burgueses.

Aliás, a peça apresenta oportuna interlocução com o tempo presente, marcado por uma crise profunda, ao expor dois personagens que se debatem para fazer de seus escritos um instrumento de intervenção na realidade e de denúncia daquilo que não deu certo no Rio de Janeiro do início do século XX. Promover um encontro entre Lima Barreto e João do Rio guarda um simbolismo muito eloquente que indica o quanto o diálogo é indispensável, sobretudo com aqueles que dão voz às ruas, aos subúrbios e às periferias de todo o país.

Denilson Botelho

Professor de História do Brasil da Universidade Federal de São Paulo – Unifesp. Autor do livro A pátria que quisera ter era um mito, ganhador do Prêmio Carioca de Pesquisa.

MATÉRIA JORNALISTAS LIVRES DIÁRIOS MARGINAIS FLIP 2017

Diálogo de escritores marginais
QUANDO LIMA BARRETO ENCONTRA JOÃO DO RIO
A peça "Diários Marginais" encena agora, às 19 horas, no penúltimo dia da Feira Internacional de Paraty, os diálogos póstumos entre dois fundamentais escritores brasileiros das ruas e dos subúrbios do Rio de Janeiro. Já no fim da vida, desgastado pela pobreza, pela doença e pela dificuldade de conquistar um lugar no cenário excludente e racista da literatura nacional, Lima Barreto, vivido pelo ator Gilson Gomes, recebe em seus delírios psíquicos a visita do irreverente João do Rio, vivido por Wagner Brandi.
Nesse encontro, ocorre o acerto de contas sobre a coerência de cada um, a conversa sobre a loucura, o futebol, o carnaval, a destruição dos lugares históricos do Rio pela modernidade, as relações entre o escritor brasileiro e a marginalização social.
De um lado, a pobreza, a falta de reconhecimento e a persistência da literatura de Lima contra a opressão dos brasileiros e contra o desprezo da cultura popular. De outro, a fluidez erudito-popular de João do Rio pelo território da marginalidade e o trânsito pelo poder. Juntos, os dois autores e personagens da literatura, ambos fora do padrão dominante, percebem que são mais semelhantes do que pensavam, na discriminação pela loucura da arte, a homossexualidade de um, a embriaguez de outro, a origem negra de ambos.
A peça, encenada agora no Colégio Estadual Moura Brasil (CEMBRA), em Paraty, comemora os 20 anos da Oráculo Companhia de teatro do Rio de Janeiro, com direção de Luiz Furlanetto. Seguirá em circuito nos próximos meses pela capital e subúrbios cariocas.
Raquel Wandelli, de Paraty para o Jornalistas Livres

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